segunda-feira, março 09, 2009

Um pouco sobre “Watchmen”… d.m.c.


Desprezo Zack Snyder, em primeiro lugar… E com ele, a sua técnica enfadonha, o recurso excessivo de cenários construídos à posteriori (isto é, deslocados do seu tempo devido), a sua falta de conteúdo, a adoração à imagem antes de nada, e nesse nada ficamos, vendo frotas chegar, vazias… E acima de tudo, desprezo a recepção a este tal de Snyder, e teimo em fazer a diferença… E com esta afronta disse a mim mesmo e aos outros “não vejo o segundo filme deste infamado sujeitinho, pois eu mesmo o infamei e condenei à escuridão…” E lá estava eu, sentado a ver o Genérico impresso nesse amarelo desgarrado de um Smile…

Acontece que, apesar de tudo, “Watchmen” tem Alan Moore por trás, e não Frank Miller… E é aqui, como ponto de partida, que surge a diferença… Tentando ser curto (como contrário de enfadonho… sei que o sou… vamos interpretar o blog do Xarles como processo catártico e dar-me um desconto): Moore constrói no seu graphic novel um universo anacrónico, onde elementos submetidos à realidade cronológica fazem o recuo e reconstroem parte da História, e com ela um diferente Hoje dos anos 80, fundamentado pela exteriorização da fantasia imaginada em bandas desenhadas… Os Super Heróis nascem, nos anos 40, não como figuras delimitadas por quadradinhos… mas como realidade… E nesse sentido são agregados ao poder estatal, tem a sua época áurea, e vivem agora as suas vidas como comuns cidadãos… A Guerra Fria encontra-se à beira do seu derradeiro culminar, tendo os E.U.A. Dr. Manhattan como “arma atómica”… sob o comando do imperialista Nixon… Vislumbramos toda este paralelismo do Chronos, do nosso claro, com uma atitude frontal, imparcial, da faceta republicana incutida nos Super Heróis (Imaginem o Capitão América… Agora o Capitão América de Moore: o Comediante…pois bem, é nessa transfiguração que “Watchmen” se fundamenta, dando o avesso do Herói não como Anti-Herói, mas apenas como gente comum num fato, com seus defeitos, verdadeiros símbolos de uma sociedade vil.) A ideia, por si só, é muita rica, atribuída, claro está, à concepção de uma boa liga de Heróis, desmultiplicada num inteligente apanhado de géneros… E numa consistente linearidade gráfica vemos aparecer nos estilizados anos 80 um batman deprimido, com a sua pequena batcave vivendo a melancolia despertada pelo passado; uma menina em traje justo, seguindo a tradição incutida pela mãe; um super-homem desfasado da Humanidade essa, pela qual já não sente afecto; e este estranho e caricato personagem, transportando a narrativa através da sua voz off que tanto faz lembrar os filmes noir, na sua visão cínica do mundo… Todos eles se unem, e interpretam a mesma causa, e é assim que “Watchmen” aparece, como ponto de encontro entre figuras fantásticas, relacionando-se segundo os seus conceitos básicos de justiça frente a uma sociedade em decomposição.

Apesar de faltar claridade ao contexto politico/ social do filme, existe uma ambiência bem construída, permitindo a coexistência de diversos géneros numa mesma acção… Digo isto, dando alguma valor ao realizador, e atribuindo algum crédito a essa técnica que todos insistem em utilizar, ignorando a utilidade de cenários realistas, desmistificando a imagem como atributo coeso/ em sintonia com a plasticidade do real. Há boas imagens, que carecem de uma fidelização intensa aos quadradinhos da graphic novel, não perdendo dinamismo, respeitando ao máximo a visão de Moore. Mas até que ponto nos devemos manter fiel a uma obra como “Watchmen” quando a pensamos em Cinema? Até que ponto esta ideia de fidelização total deve ser levada, ignorando a ferramenta da adaptação? E aqui voltamos ao ponto de partida: Zack Snyder, elaborando cenários anti-naturalistas, numa virtualização ainda manca dos espaços (principal destaque para Marte e o sonho de Nite Owl II com Silk Spectre II)… Resulta na vinheta, mas nunca em Cinema, fazendo lembrar “300”nessa tentativa de sobrestimar a eficácia da naturalidade. O plot e seu desfecho vão perdendo relevância, e acabamos por perder contacto com a intriga… Os flashbacks são o melhor do filme, mas destroem a sua totalidade. Preferia um filme sobre a vida dos Super Heróis, e não tanto o enredo inteligente (?) que surpreende no desfecho, em forma de pretensiosismo desproporcional às capacidades da obra…

Já viram, tantos elogios para acabar dizendo mal… Não há quem me emende?! Mas fui ver o filme, e fiquei com uma sensação agradável, relembrando Rorschach, e o seu sentido amargo de justiça, Dr.Manhattan, e sua criação ao som do espectacular “Koyaanisqatsi”, de Philip Glass, e a sensação de inevitabilidade, da incontornável condicionante do Homem em busca desse Bem utópico, do Super-Herói... aqui desconstruído, de caminho errante… Para acabar, um pouco de aquele O Melhor e O Pior que ajuda a desconstruir (destruir?) ainda mais um filme…

O Melhor: A essência de Alan Moore, e a originalidade do seu conto…

O Pior: 50 por cento do filme, é em slow motion. Podia ter 2 horas!, não era mais agradável?

Enfim…

d.m.c.