quinta-feira, janeiro 04, 2007

"Déjà Vu" by DC

A viagem no tempo apresenta-se como uma alegação externa à experiência humana. O próprio conceito existe apenas na teoria, ilustrando um horizonte de inúmeras possibilidades espacio/ temporais. A capacidade de viajar no tempo, de transportar uma forma humana através de uma concepção física que rompe com o presente, demonstra por si um enorme afastamento com a realidade. A continuidade temporal, tal como a conhecemos, é um registro pré-traçado pela percepção humana. A forma como entendemos o tempo é quase inquebrável, traçando as barras de uma prisão para a expansão espaçio/ temporal da mente humana. Frente a tamanha impossibilidade, a especulação é a única ferramenta de que dispomos para imaginar a possibilidade de remeter a um passado ou a um futuro desapegado da cronologia inerente à nossa percepção.
O cinema apoderou-se deste tema para abordar as suas fronteiras, legando-se a um novo universo. Um quebra-cabeças surgiu, colocando problemáticas complexas na linearidade de um argumento. A projecção de um corpo presente para o passado significa de imediato a alteração espacial de acontecimentos que anteriormente decorriam segundo um padrão de causa/ efeito bastante concreto. A mínima alteração vai desdobrar o universo, criando novas entidades com exactamente o mesmo registro, seguindo um caminho diferente. A divisão de uma linha temporal em duas torna-se inevitável. Porque? Porque a primeira linha de acção não pode ser adulterada, tem de decorrer exactamente da mesma maneira para despolpar ciclicamente no nascimento da segunda linha de acção. Os universos não se encandeiam, seguem caminhos diferentes.
Este estudo, entendido de forma narrativa, apresenta uma vasta camada de possibilidades, no entanto acarretam consigo diversos problemas. Tomando-me como exemplo, não posso viajar atrás no tempo e matar o meu bisavô. De imediato a minha pessoa deixaria de existir, tornando impossível toda a minha caminhada pessoal, incluindo a parte em que viajava no tempo e matava o meu avô. Romper com a projecção temporal significa uma impossibilidade inevitável, no entanto a capacidade de jogar com a temporalidade no cinema de forma narrativa apresenta-se bastante cativante.
“Déjà Vu” pega neste tema, e cria uma narrativa baseada em apenas uma viagem no tempo. Uma só, que por si já demarca diversas problemáticas. Em praticamente todos os filme que tratam a possibilidade de projectar uma forma humana no tempo, as falhas temporais infiltram-se de imediato na narrativa. Alguns filmes deixam de parte qualquer tipo de preocupação em permanecer fiel às deturpações temporais feitas nos três tempos. Os três “Regresso ao Futuro” entram no mundo da fantasia moldando as possibilidades cronológicas de forma entusiasta, sem haver o mínimo de fidelidade a uma causa/ efeito inevitável. Outros tentam coexistir numa realidade que funde passado e presente de forma homogénea, construindo um universo residente de forma cíclica e inevitável. “The Jacket”, por exemplo, constrói uma linha de tempo presente formada por informações provenientes do futuro. O tempo é bem traçado, deixando margem para a criação de um universo paralelo criado pelo protagonista. “O Efeito Borboleta” segue-se pela criação constante de novos universos, excluindo os anteriores de forma sucessiva. Ou seja, abstrair o espectador da complexidade inerente à uma alteração física do tempo é a única forma de construir uma narrativa aparentemente coerente. “Déjà Vu” peca neste aspecto, tornando demasiado evidente alguns problemas narrativos. ATENÇÃO: Para aqueles que não viram o filme: Não ler o resto do texto. O mesmo cuidado a ter com o poste anterior ““The Prestige” by DC”. O protagonista, na primeira metade do filme, reside num presente cronológico. No entanto, à medida que avança, demarca no espaço diversas alterações provocadas por uma entidade que o mesmo desconhece. Estas alterações são feitas por ele mesmo ao se projectar no passado mais à frente na acção. Ele mesmo deixa de existir neste primeiro tempo, criando um universo paralelo construído pela sua capacidade de prever o futuro. Ou seja, de forma alguma este novo universo poderia coincidir com o primeiro, o que não acontece em “Déjà Vu”. O espaço da realidade original coincide com o espaço traçado pelo protagonista na nova realidade... O que não faz qualquer sentido... Na minha opinião, este truque, demasiado explicito como um erro espacio/ temporal, existe apenas para ajudar a narrativa a decorrer. O passado original, segundo a realidade do filme, deveria decorrer de forma corrente tornando a criação do universo paralelo possível. Ou se cria uma narrativa circular, onde passado presente e futuro se fundem... Ou se cria uma narrativa com diversas pontas soltas onde a mínima alteração vai originar a criação de um novo mundo. Este filme necessitava de se centrar em apenas uma das ideias, porque corresponde a um padrão demasiado ligado à realidade conceptual. Em filmes como “BZ, Viagem Alucinante” e “The I Incide” o universo criado reside na mente do protagonista, pertencendo a um código admissível de erros e saltos temporais constantes. Este filme de Tony Scott, apesar de demonstrar boas ideias, erra nesta falha essencial. É necessário gastar algum tempo na concepção de uma argumento ligado a um tema tão sensível como a viagem no tempo. As falhas narrativas são praticamente inevitáveis, à que saber moldadas, expo-las ou esconde-las...